Além de ser ilegal a exigência de CPF para o fornecimento de descontos, a prática pode ter razões muito mais escusas, como, por exemplo, a venda dos seus dados para outras empresas.
A situação é a seguinte: você entra em uma farmácia para comprar um produto ou um medicamento que precisa. Imediatamente, um atendente se aproxima e pergunta se você precisa de ajuda. Você responde que não (ou que sim). Então, ele pede o seu CPF para verificar quais os descontos válidos para você naquele dia. Você dá. Daí, o atendente imprime uma nota com vários descontos em diversos produtos. Você escolhe alguns deles (ou não) e se dirige ao caixa para pagar. Lá, outro funcionário pede para você digitar o seu CPF na maquininha de cartão, sem dar muitos detalhes de qual a necessidade daquela informação. Você digita. Em seguida, ele passa os seus produtos, fala o preço final, você paga e vai embora com sua compra.
Já passou por alguma situação parecida?
Se a sua resposta foi positiva, saiba que não é só com você que isso tem acontecido. O procedimento se tornou praxe nas grandes redes de farmácias do país e, se em primeiro momento parece algo inofensivo, tem levantado inúmeras críticas acerca de sua legalidade e dúvidas acerca do que essas empresas estão fazendo com esses dados.
Se não entendeu como isso pode trazer prejuízos, vamos considerar a seguinte hipótese:
Você é cliente de uma rede de farmácias do seu bairro e compra há anos os seus remédios naqueles estabelecimentos. Nos últimos anos, você tem se sentido mais fraco e tem aumentado a necessidade de tomar antibióticos e anti-inflamatórios. Sempre que você compra os seus remédios, te pedem o seu CPF para buscar algum desconto, que até são aplicados uma vez ou outra. Num belo dia, você é surpreendido com a notícia de que o valor do seu plano de saúde vai subir. Você não entende o porquê, já que continua na mesma faixa etária.
Explicação:
O conglomerado que controla seu plano de saúde comprou os dados dos últimos dez anos da rede que controla a farmácia onde você compra seus medicamentos. Ao cruzarem os dados, perceberam que sua saúde tem enfraquecido e que logo a sua necessidade de utilizar o plano provavelmente também vai aumentar, gerando mais gastos para a empresa. Então, te colocam em um “grupo de risco” e aplicam um adicional no valor do seu plano.
Em outro cenário, em que a pessoa não tem um plano de saúde, a empresa que fornece o plano poderia até negar ou dificultar a contratação do interessado com base no histórico de compra de remédios em farmácias, visando evitar assegurar pacientes que tragam mais dispêndio do que lucro.
Esses são apenas alguns exemplos de como a simples atitude de dar o seu CPF nas farmácias pode trazer prejuízos, sejam eles à sua privacidade ou ao seu bolso.
A situação não passou despercebida. No Distrito Federal, o Ministério Público iniciou uma investigação sobre o fornecimento de descontos mediante a coleta do CPF, com a suspeita de que as farmácias estariam vendendo os dados dos clientes em mercado paralelo. Em Minas Gerais, o MP também investigou o caso, decidindo multar uma rede de drogarias em quase R$ 8 milhões de reais, para em seguida firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa que, caso a rede quisesse coletar o CPF e fornecer descontos por isso, deveria ter um programa de fidelidade no qual as pessoas optariam por se filiar, podendo escolher se gostariam ou não de compartilhar seus dados. A solicitação de CPF em toda compra deveria acabar imediatamente.
A questão é que, pelo art. 43, § 2 do Código de Defesa do Consumidor, a abertura de cadastro de dados pessoais e de consumo só pode ser efetuada ou a pedido do cliente ou caso seja comunicado a ele por escrito. É aqui que se inserem os “programas de fidelidade”. Neste caso, não há nada de errado em fornecer descontos. O que caracteriza prática abusiva, nos termos da lei consumerista, é diferenciar, por meio do fornecimento de descontos, um cliente do outro simplesmente porque um deles forneceu o CPF na hora da compra e o outro não, sem que qualquer um deles faça parte de programa de fidelidade. Isso não é desconto; isso é, em outras palavras, um “pagamento” pelo fornecimento dos seus dados pessoais, em clara afronta ao dever de informação previsto no inciso III, do art. 6º do CDC. Você faz uma “venda” sem saber que está “vendendo” e nem para quem isso está sendo repassado.
Diante desse cenário, nós, cidadãos comuns, podemos tomar duas atitudes práticas. A primeira é se negar a fornecer o nosso CPF na hora de comprar qualquer produto. Não é obrigatório e o máximo que você vai ganhar é um olhar de estranhamento. Caso o objetivo seja auferir algum tipo de desconto, a outra saída é se cadastrar no programa de fidelidade do local e optar que seus dados não sejam, em nenhuma hipótese, fornecidos a terceiros. Você tem esse direito e pode exercê-lo.
A realidade atual é que, a despeito dos esforços do poder público em coibir determinadas condutas das empresas do ramo farmacêutico, dados valem uma enormidade de dinheiro, principalmente quando eles estão atrelados a outro tipo de informação, como, por exemplo, a saúde, e esse fenômeno é global.
Enquanto não estiverem em vigor leis que proíbam diretamente a coleta indiscriminada de dados, muitas empresas vão preferir contornar as previsões consumeristas em prol de lucros exorbitantes, principalmente quando as punições atuais se resumem a acordos de ajuste de conduta ou notificações inofensivas.